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História

A história da cidade de Mossoró, hoje conhecida nacionalmente pelos seus atrativos culturais e pelos grandes resultados econômicos que tem alcançado ao longo dos últimos anos, é repleta de fatos curiosos que justificam o perfil do povo mossoroense, que consegue crescer nas dificuldades e superar as barreiras, buscando sempre dias melhores. Desde o início demos demonstrações de que somos diferentes, de que conseguimos avançar no tempo.

 

SOMOS GUERREIROS

A nossa origem nos remete aos índios Monxorós, cujo perfil descrito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o seguinte: tinham estatura baixa, eram bastante ágeis, o formato da cabeça era achatado e, o principal, eram hábeis guerreiros e silenciosos.

Segundo estudos do pesquisador potiguar Luiz Câmara Cascudo, citado pelo IBGE, as primeiras penetrações na área do que hoje é o município de Mossoró teriam ocorrido por volta de 1600. Cartas e documentos da época falavam sobre o encontro de salinas, que foram exploradas pelos holandeses Gedeon Morris de Jonge e Elbert Smiente até 1644.

 

NOSSA FORMAÇÃO

O distrito de Mossoró foi criado em 27 de outubro de 1842, conforme o IBGE, através da resolução provincial de número 87. Em março de 1852, o distrito foi elevado à categoria de vila. Virou cidade somente em 9 de novembro de 1870, através de lei provincial.

Até alcançar a atual formação, com aproximadamente três mil quilômetros quadrados, Mossoró passou por diversas mudanças, incorporando e desmembrando territórios. Foi assim com a área que hoje é as cidades de Assu, Governador Dix-Sept Rosado, Baraúna etc.


ABOLIÇÃO DOS ESCRAVOS

O dia 30 de setembro é a maior festa cívica comemorada na cidade. Desde 13 de setembro de 1913, a data foi decretada feriado, como uma forma de homenagear todos que participaram das lutas pela abolição da escravatura. Hoje, 30 de setembro é dia de muita festa.

Diferente dos outros municípios brasileiros, Mossoró foi pioneira na libertação. Todo o processo foi concluído cinco anos antes que o restante do país fosse contemplado através da chamada Lei Áurea, que decretou a ilegalidade da escravidão no território nacional.

De acordo com os documentos históricos, o povo mossoroense foi o primeiro, entre os norte-rio-grandenses, a fazer campanhas sistemáticas pela liberação dos seus escravos. Em 1848, o deputado geral pelo RN, Casimiro José de Morais Sarmento, falou durante sessão sobre os benefícios que seriam alcançados com a transformação dos escravos em trabalhadores livres:

“Concorda em que o trabalho do escravo não é necessário. No Rio Grande do Norte há poucos escravos, e quase toda a agricultura é feita por braços livres. Conhece muitos senhores de engenho que não têm senão quatro ou cinco escravos, entretanto que têm 20, 25 e 40 trabalhadores livres, e se não os têm em maior número, é pelo pequeno salário que lhes pagão. Disto se convenceu o orador quando ali foi presidente, porque em consequência de elevar o salário a 400 reis por dia, nunca lhe faltarão operários livres para trabalharem na estrada que teve de fazer”.

Os registros históricos mostram que não éramos uma cidade escravocata. Em 1862, tínhamos apenas 153 escravos, em meio a uma população de 2.493 habitantes. Em termos percentuais, equivaliam a apenas 6,137%. Essa falta de vocação escravista se deu pela falta de engenhos, onde geralmente os escravos eram empregados. Tínhamos mais criações de gado.

Mesmo assim, fomos pioneiros no movimento libertário. Mas isso tem uma justificativa. O ano de 1877 foi terrível para a região nordeste, com uma seca devastadora que durou até meados de 1879. Houve um êxodo em massa para a região litorânea, na fuga da seca.

Foi nesse período que Mossoró passou a receber maior quantidade de escravos, que eram enviados pelos ricos fazendeiros como uma forma de amenizar os prejuízos trazidos pela falta de água. Assim, o comércio escravista floresceu rapidamente junto aos mossoroenses.

Nesse contexto, onde a cidade passou a viver realmente a cultura da escravidão, é que foi despertado o sentimento de piedade. Ainda segundo os registros históricos, os primeiros ideais libertários surgiram no Ceará, nosso estado vizinho, em 1881, e logo chegaram por aqui.

Em 6 de janeiro de 1883 foi criada, em Mossoró, a Sociedade Libertadora Mossoroense, cujo objetivo era lutar pela libertação. De acordo com os historiadores, a ideia é atribuída à Frederico Antônio de Carvalho, da Loja Maçônica de 24 de junho. A presidência provisória da entidade ficou ao encargo de Raimundo Lopes Galvão, que logo ganhou adesão de personalidades ilustres da sociedade mossoroense, naquela época, dando força ao movimento.

A diretoria definitiva fica formada por: Joaquim Bezerra da Costa Mendes, como presidente; Romualdo Lopes Galvão, como vice-presidente; Frederico de Carvalho, primeiro secretário; Dr. Paulo Leitão Loureiro de Albuquerque, que exercia a função de orador.

A Sociedade Libertadora Mossoroense tinha um código legal, criado com um único artigo, sem parágrafos. A norma dizia o seguinte: “todos os meios são lícitos a fim de que Mossoró liberte os seus escravos”, deixando claro quais eram os objetivos daquela entidade.

Nessa época, ainda de acordo com os levantamentos históricos, a cidade de Mossoró contava apenas com 86 escravos. Em 10 de junho, 40 deles foram alforriados.

A ideia logo tomara conta de toda a população, que aos poucos foi aderindo ao movimento e, sem muita resistência, foi liberando seus escravos. Muitos mossoroenses não fizeram nem questão de receber as indenizações que foram oferecidas pelo governo na época, fruto do espírito libertador que havia tomado de conta dos mossoroenses, que hoje se mantém.

O dia 30 de setembro de 1883 foi a data designada para a liberação total dos escravos; e o objetivo foi alcançado. No dia 29 de setembro, o Presidente da Libertadora Mossoroense dirige a Câmara Municipal de Mossoró um ofício, agora transcrito na íntegra:

Ilustríssimos Senhores Presidente e Vereadores da Câmara Municipal.

A Sociedade Libertadora Mossoroense, por seu Presidente abaixo assinado, tem a honra de participar a V. Sªs que, amanhã, 30 de setembro, pela volta do meio-dia, terá lugar a proclamação solene de Liberdade em Mossoró. E, pois, cumpre-me o grato dever de convidar V. Sªs e seus respectivos colegas, representantes do Município, para que se dignem de tomar parte nessa festa patriótica que marcará o dia mais augusto da cidade e do município de Mossoró.

A emancipação mossoroense é obra exclusiva dos filhos do povo; a esmola oficial não entrou cá.

Sua Majestade, o Imperador, quando lhe comunicamos a próxima libertação do nosso território, foi servido de enviar a dizer-nos pelo Senhor Lafayette, Presidente do Conselho de Ministros, que nos agradecia. A libertação está feita e ninguém apagará da história a notícia do nosso nome. Os mossoroenses são dignos de ser olhados com admiração e respeito hoje e daqui a muito tempo, por cima dos séculos.

A Sociedade Libertadora mossoroense se congratula com V.Sªs por tão fautoso acontecimento.

Deus guarde a V.Sªs Ilustríssimo Senhor Romualdo Lopes Galvão, digno Presidente da Câmara Municipal desta cidade de Mossoró.

O Presidente Joaquim Bezerra da Costa Mendes.

Sala das Sessões da Sociedade Libertadora Mossoroense, 29 de setembro de mil oitocentos e oitenta e três.

O histórico 30 de setembro de 1883 foi comemorado pelos mossoroenses, que ainda hoje fazem uma belíssima festa para relembrar a atitude pioneira que foi tomada pelos nossos antecessores, mais uma prova de que sempre fomos um povo à frente do seu tempo.

A cidade amanheceu em festa. Ao meio-dia, a Sociedade Libertadora Mossoroense se reúne na Câmara Municipal (hoje funciona o Museu Histórico Lauro Escóssia). O Presidente da Sociedade, Joaquim Bezerra da Costa Mendes, abre a memorável sessão, que começa com a leitura de diversas cartas de alforria dos últimos escravos de Mossoró. Feita a liberação oficial, Joaquim declarou: “livre o município de Mossoró da mancha negra da escravidão”.

Na cidade foi criado o Clube dos Spartacos, que era composto, em sua maioria, por ex-escravos, tendo sido eleito para presidente o liberto Rafael Mossoroense da Glória. Ainda de acordo com as pesquisas históricas, o objetivo desta entidade era dar abrigo e amparo aos novos trabalhadores livres, tanto aqueles que já eram da terra, quanto àqueles que vinham para cá.

Mossoró, oficialmente livre da escravidão, logo passou a ser procurada por escravos que conseguiam fugir de outras regiões. O pessoal da Spartacos assumiu o papel de troca de choque dos abolicionistas, lutando para que os escravos não voltassem aos seus donos.

Esse “problema” foi gerado devido à antecipação do povo mossoroense, que não esperou pelo decreto nacional, assinado pela Princesa Isabel, libertando os escravos do Brasil. Por aqui, a escravidão já havia acabado cinco anos antes quando o resto do país foi atingido.


O MONTIM DAS MULHERES

Esse é outro capítulo da história que orgulha o povo mossoroense. O dia 4 de setembro de 1875 (século XIX) foi marcado pela luta de um grupo de mulheres que resolveram quebrar todos os paradigmas de uma época dominada pelo patriarcalismo, fazendo história.

De acordo com os historiadores, o movimento foi realizado por aproximadamente 300 mulheres, número considerado altíssimo para o grau de politização daquele período e até mesmo para o número de habitantes do município. A luta tinha um objetivo: evitar que seus filhos e maridos fossem levados para a guerra, cujo alistamento era obrigatório em todo o país.

Estranhamente, aquelas 300 mães e esposas decidiram não aceitar uma imposição que vinha de cima para baixo e foram às ruas para protestar. Elas foram até o Cartório Militar da cidade e rasgaram as fichas de alistamento. Nas ruas, fizeram um grande desfile para protestar.

Ainda segundo os documentos históricos, na Praça da Redenção, aquelas mães e esposas foram dispostas até mesmo a enfrentar a polícia, que havia sido mandada para conter o movimento. Contra a força policial do estado, elas usaram seus utensílios domésticos.

Além das colheres, panelas etc., elas carregava consigo uma determinação inexplicável (a quem diga que aquele sentimento só pode ser compreendido por outra mãe). O resultado de tanta determinação não poderia ser outra: elas triunfaram. Conseguiram fazer com que o governo desistisse de levar seus filhos e maridos, apesar de ser obrigatório para todos.


1º VOTO FEMININO

Hoje, o voto é um direito que todo o cidadão brasileiro tem, independente de cor, raça, sexo, condição financeira. Mas nem sempre foi assim. Houve um tempo em que apenas uma pequena parcela da sociedade podia escolher seus representantes e as mulheres não tinham esse direito, fruto de uma sociedade patriarcalista, que colocava o homem acima da mulher.

Coube à professora natalense Celina Guimarães Viana o feito de ser a primeira mulher a votar em todo o Brasil. O palco dessa conquista pela igualdade de direitos, em 1928 (século XX), foi justamente a cidade de Mossoró, que mais uma vez saiu na frente e demonstrou todo o seu pioneirismo, já evidenciado com a libertação dos escravos e o Montim das Mulheres.

De acordo com os pesquisadores, a cidade de Mossoró entrou para a história não só do Brasil, como a primeira a ter voto feminino, mas mundialmente. Naquele período, muitas outras nações não admitiam tamanha “ousadia”. A partir de Celina, o país passou por um verdadeiro movimento nacional em busca do título de eleitor. A princípio, cidades do RN e de mais outros nove estados brasileiros foram logo contagiadas pelo pioneirismo mossoroense.

Na época, o estado do RN era governado por Juvenal Lamartine e coube a ele a autorização para que as mulheres pudessem exercer o direito ao voto, que não era proibido pela Constituição Federal vigente à época (lei maior que, em resumo, regula a organização de um estado nacional e define quais são os direitos que serão considerados para aquela sociedade).

O primeiro voto feminino do Brasil ocorreu em Mossoró no ano de 1928 e só veio a ser regularizado oficialmente no Brasil em 1934 (o mossoroense viveu isso seis anos antes). O ato refletiu diretamente na luta pela emancipação feminina, contribuindo diretamente na causa.


DO PIONEIRISMO À RESISTÊNCIA

Uma das características dos índios Moxorós, que são apontados pelos historiadores como os originários da história do povo mossoroense, era o espírito guerreiro. Essa cultura da resistência acompanhou todo o desenvolvimento da nossa história. O maior exemplo deste espírito de luta verifica-se na guerra travada por estas bandas contra o mais famoso cangaceiro do Nordeste, o Lampião, que encontrou um povo lutador e acabou sendo expulso dessas terras.

O feito se deu em 1927 (século XX), segundo a história. Nosso município vivia um período de prosperidade econômica. Estávamos em pleno expansionismo comercial e industrial. Possuíamos o maior parque salineiro do país. Tínhamos três firmas comprando, descaroçando e prensando algodão, casas compradoras de peles de cera de caranaúba. Além disso, a cidade ainda dispunha de um porto, de onde eram exportados os seus produtos atendendo cidades da região Oeste do Rio Grande do Norte e até mesmo municípios dos estados do Ceará e Paraíba.

O cenário de prosperidade foi fundamental para que atraíssemos a atenção de grupos criminosos que invadiam e saqueavam cidades, prática comum naquela época. A população estimada do município era de aproximadamente 20 mil habitantes. Nosso território era ligado por uma estrada de ferro que se estendia desde o litoral até o povoado de São Sebastião, hoje município de Governador Dix-Sept Rosado, que já pertenceu à Mossoró.

Além de todos esses atrativos, tínhamos boas estradas de rodagem, energia elétrica alimentando várias indústrias, dois colégios religiosos, agências bancárias e repartições públicas. Em pleno século início de século XX, os mossoroenses viviam situação confortável. E tudo isso atraiu o mais temido cangaceiro da época, Virgulino Ferreira, o famoso Lampião.

Hoje, sempre que um grupo criminoso vai atacar uma cidade, seja uma agência bancária ou outro tipo de estabelecimento de maior porte, é comum ouvirmos falar sobre “informações privilegiadas”. Como são bandos formados por pessoas de outros locais, eles precisam de ajuda de “gente próxima”. E Lampião tinha essa “gente próxima”.

Com o porte que Mossoró possuía, sua invasão precisava ser planejada. De acordo com as pesquisas feitas pelos historiadores sobre o bando, o “Rei do Cangaço” era apoiado por Cecílio Batista, mais conhecido como “Trovão”. Ele já havia morado em Assu, onde havia sido preso por malandragem e desordem (crimes previstos naquela época).

Além de Trovão, Lampião contava com a ajuda de outro cangaceiro, José Cesário, conhecido como “Coquinho”, que já havia até trabalhado em Mossoró e conhecia bem a cidade. Outro importante parceiro fora Júlio Porto. Este havia trabalhado como motorista de Alfredo Fernandes, personalidade rica da época e parente próximo do prefeito Rodolfo Fernandes. Além de Júlio, o “Zé Pretinho”, tinha ainda Massilon, um tropeiro que conhecia muito bem a cidade.

O plano de invadir Mossoró é colocado em prática a partir do dia 2 de maio de 1927, ainda segundo os documentos históricos. Lampião e seu bando partiram do estado de Pernambuco, em direção ao Rio Grande do Norte. Fizeram um longo percurso. Passaram pela Paraíba, próximo ao limite com o estado do Ceará, com destino à cidade de Luís Gomes, que fica logo no início do estado norte-rio-grandense, a 201 km de Mossoró (o caminho mais curto).

A viagem não foi pacífica. Por onde passavam, invadiam e saqueavam. A cidade de Belém do Rio do Peixe, na Paraíba, por exemplo, foi uma das vítimas dos bandidos. Até então, o bando estava dividido. Uma parte da quadrilha estava com Massilon, no Ceará. Seu plano era atacar a cidade de Apodi, vizinha à Mossoró, em 11 de junho daquele ano. Depois disso, o grupo de Massilon se reuniria com o restante, liderado por Lampião, para definir um plano.

Os grupos se uniram e a reunião aconteceu, como planejado, na fazenda Ipueira, que ficava na cidade de Aurora, no estado do Ceará. De lá eles partiram com destino à Mossoró. Como era prática entre os cangaceiros, aterrorizaram sítios, fazendas, lugarejos e cidades durante o trajeto. Invadiam, saqueavam, ateavam fogo, sequestravam (os mais riscos) etc.

Uma das vítimas do bando de Lampião, antes da chegada à Mossoró, segundo constam nos documentos históricos, foi o coronel Antônio Gurgel, que já havia sido prefeito de Natal. O bando ainda fez refém o fazendeiro Joaquim Moreira, dono da Fazenda Nova, em Luís Gomes, a fazendeira Maria José, da Fazenda Arueira, além de outras pessoas ricas da região.

Foi o coronel Antônio Gurgel que teve a missão de escrever uma carta endereçada ao prefeito de Mossoró, Rodolfo Fernandes, em nome dos cangaceiros. Ousados, eles fizeram uma série de exigências para que pudessem poupar os mossoroenses do terror que vinham causando noutras cidades do Nordeste. Essa era uma tática tradicional usada pelos cangaceiros.

De acordo com os estudiosos do cangaço, era comum a utilização dessas cartas. Antes disso, os criminosos adotavam uma série de providências para intimidar as autoridades e dificultar qualquer plano de resistência. Eles cortavam os serviços telegráficos da cidade, para evitar qualquer tipo de comunicação. Quando o município resolvia ceder, o bando exigia, além de dinheiro e joias, mordomias, submetendo o povo e os prefeitos a verdadeiras humilhações.

As pesquisas mostram que os criminosos exigiam festas e bebidas para farras, que geravam ainda mais destruição dos locais por onde o bando passava. Quando alguma das cláusulas exigidas não era atendida, Lampião e seus comparsas procediam impiedosamente.

Ao prefeito Rodolfo Fernandes, os criminosos resolveram pedir 500 contos de réis. Era muito dinheiro para a época. Por isso, chegaram a um consenso e pediram 400 contos, conforme carta que transcrevemos logo abaixo, na íntegra, escrita pelo coronel Gurgel:

Meu caro Rodolfo Fernandes.
Desde ontem estou aprisionado do grupo de Lampião, o qual está aquartelado aqui bem perto da cidade. Manda, porém, um acordo para não atacar mediante a soma de 400 contos de réis. Penso que para evitar o pânico, o sacrifício compensa, tanto que ele promete não voltar mais a Mossoró…”
Ao receber a carta, o coronel Rodolfo Fernandes convoca uma reunião. Convida todas as pessoas de destaque da cidade. Ele informa o conteúdo da carta ameaçadora e alerta para a necessidade da preparação de defesa contra um possível ataque dos cangaceiros.

Os convidados, no entanto, desprezando a força e ousadia do bando de Lampião, julgam que uma possível invasão não poderia ocorrer, se tratando de uma cidade com o porte de Mossoró. O prefeito ainda teria argumentado contra, mas não foi ouvido pelos participantes. Assim, ele responde a carta escrita pelo coronel Antônio Gurgel, a mando dos cangaceiros:

Mossoró, 13 de junho de 1927 – Antônio Gurgel.
Não é possível satisfazer-lhe a remessa dos 400.000 contos, pois não tenho, e mesmo no comércio é impossível encontrar tal quantia. Ignora-se onde está refugiado o gerente do Banco, Sr. Jaime Guedes. Estamos dispostos a recebê-los na altura em que eles desejarem. Nossa situação oferece absoluta confiança e inteira segurança.
Rodolfo Fernandes.

A resposta seria entregue a uma pessoa enviada pelo bando de Lampião, à casa do prefeito Rodolfo Fernandes, que logo afirma que a proposta feita pelo bandido não será aceita pelos mossoroenses e manda avisar a Lampião que o povo está disposto a enfrentá-lo, caso a invasão fosse executada (o que, de fato, houve). Mas antes, resolve impressionar o mensageiro.

Rodolfo o leva até um dos aposentos onde havia vários caixões com latas de querosene e gasolina. Junto a esses caixões, existia um aberto e cheio de balas. O prefeito, na tentativa de impressioná-lo, diz que todos aqueles caixões estão cheios de munição e que já existe um grande número de homens armados na cidade, aguardando a entrada dos cangaceiros.

Diferentemente do que havia encontrado até então, Lampião deparou-se com uma resposta negativa. Ao tomar conhecimento do posicionamento do prefeito Rodolfo Fernandes, ele mesmo escreve um bilhete, segundo os historiadores, numa péssima grafia (tal qual):

Cel Rodolfo
Estando Eu até aqui pretendo drº. Já foi um aviso, ahi pº o Sinhoris, si por acauso rezolver, mi, a mandar será a importança que aqui nos pede, Eu envito di Entrada ahi porem não vindo essa importança eu entrarei, ate ahi penço que adeus querer, eu entro; e vai aver muito estrago por isto si vir o drº. Eu não entro, ahi mas nos resposte logo.
Capm Lampião.

Mais uma vez, o prefeito responde com negativa, demonstrando a coragem do povo mossoroense. Em novo escrito enviado ao cangaceiro, argumenta dificuldades financeiras:

Virgulino, lampião.
Recebi o seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não tenho a importância que pede e nem também o comércio. O Banco está fechado, tendo os funcionários se retirado daqui. Estamos dispostos a acarretar com tudo o que o Sr. queira fazer contra nós. A cidade acha-se, firmemente, inabalável na sua defesa, confiando na mesma.
Rodolfo Fernandes
Prefeito, 13.06.1927.

Diante da situação, a invasão mostrava-se iminente e não restava o que fazer, a não ser resistir. Apesar do medo, ampliado pelas histórias aterrorizantes que circulavam a região acerca de Lampião e seu bando, os mossoroenses decidiram preparar a cidade para a defesa.

O tenente Laurentino era o encarregado de organizar o plano de resistência ao bando. Os voluntários foram distribuídos em pontos estratégicos da cidade, escolhidos criteriosamente para tentar surpreender os criminosos, utilizando a estrutura local ao seu favor.

As torres das igrejas matriz, Coração de Jesus e São Vicente foram utilizadas como pontos de referência da resistência. Do alto, tinham visibilidade e podiam utilizar deste elemento para levar vantagem sobre o bando, que viria por terra (onde também encontrariam resistência organizada). Homens armados foram instalados no mercado, correios e telégrafos, companhia de luz, Grande Hotel, estação ferroviária, ginásio Diocesano e na casa do prefeito.

Do lado de lá também havia certa organização. De acordo com os registros históricos acerca do combate, Lampião pretendia chegar a uma localidade conhecida como Saco, que ficava a uma distância de dois quilômetros de Mossoró. Neste ponto, eles abandonariam as montarias e seguiriam a pé, até Mossoró, para concretizar a temida invasão.

O cangaceiro Sabino comandava duas colunas de vanguarda. Uma das colunas era chefiada por Jararaca e outra por Massilon, enquanto Lampião liderava a coluna da retaguarda.

Em meio à preparação dos cangaceiros e dos resistentes, a população, assombrada, tentava deixar a cidade. Crianças, mulheres e idosos, em sua maioria. Estes não tinham condições de enfrentar os bandidos, de armas em punho, e precisavam fugir para se resguardar.

De acordo com os historiadores, o dia de junho ficou marcado pelo desespero da população, que tentava sair da cidade o mais rápido possível. Mulheres chorando, carregando crianças de colo, crianças sendo puxadas pelo braço, trouxas de roupa na cabeça, balaios de comida e água etc. Era uma verdadeira multidão de pessoas aterrorizadas, vagando sem rumo.

O que se via eram famílias inteiras reunidas, completamente desesperadas, lotando os raros caminhões ou automóveis que saíam disparados a caminho do litoral. Muitos, sem condição de transporte, tratavam de conseguir esconderijo dentro ou fora da cidade. A ordem dada pelo prefeito era clara: aquele que estiver desarmado, não deverá permanecer na cidade.

O desespero aumentava mais à medida que o dia avançava. Às 23h, os sinos das igrejas de Santa Luzia, São Vicente e do Coração de Jesus começaram a martelar tetricamente, o que só servia para aumentar a correria. As sirenes das fábricas apitavam repetidamente a cada instante. Foi aí que alguns, ainda incrédulos com a invasão, tiveram a certeza do que viria.

Na praça da estação da estrada de ferro, era grande a concentração de gente na busca de lugar para viajar nos trens que partiam de Mossoró. Até os carros de cargas foram atrelados à composição para que a maior quantidade possível pudesse partir. Apesar de todo o esforço, muitos não conseguiram fugir. Aqueles que chegaram atrasados caíram no desespero.

Naquela inesquecível noite de 12 de junho, não houve descanso para ninguém em Mossoró. Os encarregados pela defesa da cidade se revezavam na vigília, enquanto o restante da população esperava a vez de partir. E o movimento na estação ferroviária não parava.

O embarque de pessoal virou toda a noite e só terminou na tarde do dia 13 de junho, dia de Santo Antônio, quando foram ouvidos os primeiros tiros, dando início ao terrível combate. Mas a meta havia sido alcançada; a cidade estava deserta. Ficaram só os resistentes.

Enfim, o bando chegara à Mossoró. Diferentemente do cenário que costumavam encontrar, deparam-se com uma cidade fantasma. Sabino, um dos líderes, segue com sua coluna para a casa do prefeito Rodolfo Fernandes. A intenção era punir o atrevimento do coronel que se recusou a ceder às pressões do bando e submeter uma cidade inteira ao terror do cangaço.

Sabino posiciona-se sozinho em frente à casa de Rodolfo Fernandes, sem saber que ali havia um grupo pronto para reagir contra o bando. Os defensores da cidade ficam indecisos, sem saber se ele é um soldado ou um cangaceiro, já que não havia muito diferença entre a maneira de se vestir de um e de outro. Foi Rodolfo Fernandes que deu a ordem para o ataque.

De acordo com as pesquisas feitas sobre o assunto, os mossoroenses contaram ainda com “ajuda” do céu. Em meio à guerra, uma chuva começou a cair, afetando diretamente a visão dos cangaceiros, que estavam desprotegidos, a céu aberto, enquanto os resistentes permaneciam inertes, nos pontos que foram estabelecidos estrategicamente por Laurentino.

Lampião segue em direção ao cemitério da cidade, enquanto que Massilon procura os fundos da casa do prefeito. A primeira baixa significativa do bando veio com o disparo que atingiu “Colchete”, que lançou uma garrafa com gasolina contra as trincheiras feitas de fardo de algodão, na tentativa de incendiá-los. Foi morto. Em seguida, Jararaca também foi baleado. Ele tentou se aproximar do comparsa para substituí-lo e acabou sendo alvejado nos pulmões.

É nesse momento que os resistentes mostram aos cangaceiros qual é a sua saída: fugir para não serem completamente destruídos. Os soldados entrincheirados assumem o controle da batalha, encurralando os cangaceiros. Aqui, a situação já está totalmente dominada.

A ordem de retirada do bando foi dada por Sabino, um dos líderes, ainda de acordo com os registros das pesquisas realizadas acerca do tema. Ele saca sua pistola e efetua quatro disparos para cima. Fim do ataque. Este foi o som da vitória dos mossoroenses sobre Lampião.

O temido confronto com o bando do mais famoso e temido cangaceiro do Nordeste durou aproximadamente uma hora e meia. Começou por volta das 16h e acabou às 17h30. Lampião, o destemido líder do bando, fugiu. Ele deixou para trás Colchete (morto) e Jararaca, além de muitos outros, não tão conhecidos, que foram feridos ou mortos durante o combate.

Precavidos, os resistentes permaneceram aquela noite de plantão, temendo que o bando pudesse tentar recuperar-se das perdas e voltar. Os combatentes suspenderam a vigília somente com o raiar do dia, ao confirmar que o bando tinha realmente sido expulso da cidade.

A história da resistência do povo de Mossoró contra o bando de Lampião, que seguiu sua saga, invadindo e saqueando, é lembrada todos os anos, no dia 13 de junho, que é o Dia de Santo Antônio. Foi numa tarde chuvosa que os mossoroenses reafirmaram seu espírito guerreiro, dando orgulho aos índios Monxorós, aqueles que deram origem ao nosso povo.





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